sábado, 16 de abril de 2016

Impeachment é golpe?

Não ficarei em cima do muro, tenho uma posição e, se fosse deputado, não iria me abster. Mas, antes de revelar qual seria meu voto, gostaria de trazer alguns fatos, dados e argumentos.

Antes de qualquer coisa, preciso dizer que não existe qualquer consenso jurídico sobre essa questão. É uma questão em discussão e há argumentos jurídicos que fundamentam o pedido o impeachment, assim como há argumentos que rejeitam. Irei apresentar aqui o meu entendimento, considerando tudo que li a respeito.

Impeachment é previsto na constituição

Primeiro, impeachment é um instrumento previsto em constituição, então, nem todo impeachment é golpe. Dilma ter recebido 54 milhões de votos não a isenta de ser destituída através de impeachment. Nem ela, nem nenhum outro futuro presidente. Esse argumento não é válido, desde que, é claro, haja crime de responsabilidade.

O pedido de impeachment

O pedido de impeachment protocolado por Janaína Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale faz acusações a respeito de pedaladas fiscais praticadas nos anos de 2014 e 2015 e edição de créditos suplementares, realizados em 2015, sem autorização do Congresso.

A chantagem de Eduardo Cunha e a aceitação do pedido

Ouvi a defesa feita pelo Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, e ele inicia dizendo que a aceitação do pedido foi um ato viciado, já que Eduardo Cunha o fez por chantagem. Eu concordo em partes. É óbvio que houve chantagem. Isso ficou claro para todos que acompanharam os noticiários de dezembro. Cunha chantageava o governo para que não fosse aceito o pedido de cassação do seu mandato na Comissão de Ética e assim que o governo se posicionou a favor de sua cassação, Cunha aceitou de imediato o pedido que estava em sua gaveta. Mas, apesar da inegável ausência de caráter de Cunha, o erro dele não foi ter aceitado o pedido e sim só ter aceitado nesse momento. Deveria ter aceitado tão logo o pedido chegou em sua mesa, já que os elementos presentes no pedido eram mais do que suficientes para justificá-lo. Dessa forma, a ação de Cunha foi viciada sim, mas ao meu ver, em favor do governo.

O que são pedaladas fiscais?

Então, antes de irmos às acusações, vou elucidar o que são pedaladas fiscais. Em tempos normais o governo repassa dinheiro para programas sociais como Bolsa Família, seguro-desemprego, etc. Também, durante a normalidade, o governo repassa dinheiro em forma de empréstimos subsidiados para os programas Minha Casa, Minha Vida, Pronatec, etc, além de grandes empresas, ruralistas de grande e médio porte e por aí vai. O governo transfere o dinheiro para o Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES e esses repassam aos beneficiários. Isso é o que deveria acontecer.

Em 2014, as contas públicas entraram em desordem e o governo vislumbra que terminará o ano com déficit primário em vez de superávit primário (ou seja, receitas menores que despesas, excluindo o pagamento de juros da dívida). Seria o primeiro déficit primário, desde 1997, um vexame que o governo não estava disposto a passar em pleno ano eleitoral. Então, o que fez o governo? Pediu para que os bancos utilizassem recursos próprios para fazer os repasses que eram sua obrigação. Futuramente o governo faria os repasses aos bancos. O intuito deste ato se faz claro, ao não repassar o dinheiro para os bancos, o governo o usa em outras áreas sem que isso piore a contabilidade do governo. Cria-se a mágica de fazer dois gastos com um só dinheiro. Isso se chama pedalada fiscal. Só que tem um detalhe: isso não ocorreu uma vez e foi coberto rapidamente no mês seguinte. Isso passou a ocorrer mensalmente, convenientemente num ano eleitoral, em que o governo precisava de muitos recursos para viabilizar sua eleição, turbinar os programas sociais e ainda sim ficar bem contabilmente, posando de financeiramente responsável. Aumentaram-se os gastos, mas os contabilizados não. Isso tudo sendo feito conscientemente, com um intuito muito bem determinado: aditivar os gastos em ano eleitoral e conseguir um superávit primário, mesmo que artificial. O intuito, em outras palavras é enganar os agentes financeiros, as agências de classificação de risco, e sobretudo, os eleitores.

Se você não vê nenhum problema moral sequer nisso que foi feito, não precisa continuar a ler meu texto, não mudarei sua opinião, caso contrário, sigamos.

A lei foi infringida?

Que lei foi infringida ao praticar esse ato? Respondo. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz o seguinte em seu artigo 36:

- Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

Parágrafo único. O disposto no caput não proíbe instituição financeira controlada de adquirir, no mercado, títulos da dívida pública para atender investimento de seus clientes, ou títulos da dívida de emissão da União para aplicação de recursos próprios.

Trazendo pro popular, um banco estatal não pode financiar o governo na forma de repasses diretos, o que ele pode é comprar títulos do Tesouro. Ele não pode simplesmente repassar dinheiro para o Tesouro ou, o que dá no mesmo no meu humilde entendimento, que também foi o entendimento do TCU, gastar em nome do Tesouro. As pedaladas fiscais atentam contra essa lei.

Os atrasos se tornaram prática recorrente e em valores vultuosos. o TCU entendeu que estava caracterizada uma "operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controla". Com clara intencionalidade de maquiar as contas públicas.

Somente em 2014, 40 bilhões de reais foram usados em pedaladas. Eu vou repetir pra não passar despercebido. R$ 40 bilhões! A Caixa Econômica reconheceu a prática. Por favor, vejam a imagem abaixo, a fonte é a Caixa Econômica. Vejam a diferença da pedalada praticada por Lula e por Dilma. 


A praticada por Lula não incorre em Dolo, foi um atraso de repasse eventual em valor substancialmente menor, onde não estava presente o intuito de ludibriar qualquer agente econômico ou eleitor. Isso explica o porquê de o mesmo TCU ter aprovado as contas de Lula e reprovado as de Dilma. (Reprovação de contas, que a propósito era algo que havia ocorrido a última vez na década de 30 no Brasil)

Em 2015, as pedaladas continuaram e o governo, após ver a confusão em que estava metido juridicamente após a reprovação das contas no TCU, as pagou juntamente com as de 2014. Foram 72,4 bilhões de reais pagos no total. Mas, desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal é crime de responsabilidade?

Há base legal para o impeachment?

Segundo a lei 1.079/50, são crimes de responsabilidade do presidente da república:
Artigo 10, inciso 6:

Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal.

Artigo 11, inciso 3:

Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

O TCU considerou que as pedaladas foram operações de crédito, concordo com o entendimento do tribunal. Tais operações não foram votadas no senado, não foram fundamentadas na lei orçamentária e nunca tiveram autorização legal. Houve a clara violação da lei de responsabilidade fiscal e da lei 1.079/50. Então, isso é suficiente para dizer que há crime de responsabilidade e, portanto, há sim base legal para o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. No meu entendimento.

As consequências econômicas das pedaladas

É irrelevante para este processo argumentar que as pedaladas são inofensivas à economia, mas apesar de irrelevante, vou explicar porque as pedaladas são sim muito danosas à economia.

Quando os bancos transferem dinheiro que não foi repassado a eles, eles não pegam dinheiro de suas reservas e repassam. Eles criam dinheiro do nada (meros dígitos eletrônicos) e repassam esse dinheiro para pessoas e empresas. Assim funciona o atual sistema bancário. A quantidade de dinheiro na economia então aumenta. Ou seja, uma pedalada é inerentemente causadora de inflação. Uma informação agora: R$ 72,4 bilhões é igual a quantidade total de crédito fornecida pelos bancos privados nos anos de 2014 e 2015. Isto é, somente com pedaladas, os bancos estatais jogaram na economia a mesma quantidade de dinheiro que os bancos privados em forma de empréstimo somando os anos de 2014 e 2015!!!!!

Não é de se estranhar a inflação estar tão alta e o dólar chegar a valer mais de 4 reais...

Então pedaladas causam: aumentos não-contabilizados de gastos e destruição do orçamento. Tivemos então recorde do déficit orçamentário, que só foi possível graças a existência das pedaladas, perda do grau de investimento do país, disparada do câmbio, inflação em dois dígitos, queda da renda real dos trabalhadores e, portanto, aumento da pobreza. Parabéns, Dilma. As pedaladas fiscais praticadas constituem num gravíssimo crime, com direito ao superlativo.

Jogar a crise econômica na conta da crise política é como culpar minha conta de luz alta pelo uso do meu carregador de celular.

Mas isso foi só um desabafo em resposta a um argumento que costuma aparecer. Incompetência não é matéria de impeachment, voltemos às acusações. Tratemos agora dos créditos suplementares.

O que são créditos suplementares?

São créditos adicionais, que, por sua vez, são autorizações de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na lei de orçamento. Existem três tipos de créditos adicionais:
· Suplementares: Os destinados a reforços de do­tação orçamentária. Ex: acréscimo das despesas com pessoal, acima do previsto, em virtude do au­mento dos vencimentos.
· Especiais: Os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica. Ex: cri­ação de órgão.
· Extraordinários: Os destinados a despesas urgen­tes e imprevisíveis, em caso de guerra ou calami­dade pública.

Os decretos que Dilma assinou foram de créditos suplementares.

Houve infração da lei?

Dilma assinou seis decretos de suplementação orçamentária em 2015. Estes foram emitidos depois de Julho, quando o governo já havia admitido que não conseguiria cumprir a meta fiscal do ano. O pedido de impeachment considera que Dilma desrespeita a Lei de Responsabilidade Fiscal.

"É crime de responsabilidade atentar contra a lei orçamentária e contra a guarda e o emprego legal do dinheiro público."

Argumenta-se que a presidente deveria ter submetido a aprovação desses créditos ao congresso para, somente após a aprovação, ter feito uso deles. O governo deve ter acreditado que, face ao não cumprimento da meta fiscal já anunciado pelo governo, o congresso não aprovaria a liberação desses créditos. Mas, de fato, existe a prerrogativa de a presidente sancionar esses créditos unilateralmente em algumas situações que não ficaram muito claras quando tentei entender. Os decretos tiveram o valor total de R$ 96 bilhões (2,5 bilhões baseados em receita nova)

A defesa alega que Dilma assinou os decretos por recomendação de órgão do judiciário e até do TCU e apenas após avaliação do corpo técnico.

De fato, ao pé da letra, nesse caso, houve o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal sim, mas o argumento da defesa nessa acusação faz todo o sentido. O dolo estaria afastado, ao meu ver, caso a presidente tenha assinado esses decretos por recomendação do judiciário, do TCU e de seu corpo técnico. Sem mencionar que aparentemente há casos (ou pelo menos havia), pelo que pude entender, que a liberação desses créditos pode ser feita unilateralmente, muito embora também é bastante suspeito que Dilma tenha agido dessa forma somente por achar que os créditos não iriam ser aprovados no congresso, mas enfim, entrei para o campo das suposições aqui. Além do mais, as contas de 2015 ainda não foram aprovadas e me parece bastante irresponsável utilizar essa acusação para afastar a presidente, visto o exposto acima. Se a acusação fosse só essa, eu não votaria a favor do impeachment dada a fragilidade da acusação e a importância da saída de um presidente de seu cargo. Ela pode até ainda ser inocentada nesse caso dos decretos perante a justiça.

Qual seria meu voto?

Como vocês já devem ter percebido, eu votaria sim pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Pra mim, não tem absolutamente NADA de golpe neste processo. Mesmo sendo conduzido pelo escroto do Eduardo Cunha, mesmo havendo conspiração por parte de Michel Temer e talvez de alguns meios de comunicação, ainda assim, o processo é legal. Trata-se do cumprimento da lei. E Dilma não está acima da lei. Se Cunha não tivesse seguido o rito do impeachment como era para ser, como tentou fazer, eu seria contra, mas o STF determinou o rito do impeachment e, partir daí, o processo seguiu normalmente, não havendo, portanto, cabimento em solicitar nulidade do processo. No meu entendimento, Dilma cometeu crime de responsabilidade. Não sei se o Brasil ficará melhor ou pior com a saída dela e, a bem da verdade, isso não está em pauta aqui. Não há que se falar que será uma eleição para eleger Temer e Cunha. Apesar de o efeito prático infelizmente ser esse. O que está em pauta é se houve crime de responsabilidade ou não. Só. Não me importa se esse crime já foi antes cometido e passou impune. Se eu negar punição agora, terei de negar todas as outras vezes para manter a minha coerência. Agora me responda, você que é contra o impeachment. Se fosse o Aécio Neves a ser julgado nesse processo sob exatamente os mesmos fatos e as mesmas evidências, estaria você a defender que o impeachment de Aécio Neves é golpe? Se sim, você é coerente ao menos. Se não, é hipócrita. Eu quero ter a consciência limpa para quando qualquer outro político cometer crime igual eu possa defender seu impeachment sem cair em incoerência. Um crime não deve deixar de ser punido porque outro não foi. Não se pode não punir um assassino, pois um outro assassino não foi pego. Não se trata de partido A ou B, trata-se de legalidade e a lei precisa ser cumprida. Essa é minha posição. A propósito, Temer também assinou as pedaladas. Serei a favor de seu processo de impeachment com toda a certeza. Mas falando em legalidade...

A defesa e a grande questão legal

A defesa tem um argumento de que crimes cometidos no primeiro mandato não seriam passíveis de processo de impeachment no segundo mandato e que as contas de 2015 ainda não foram aprovadas, ficando, portanto, o pedido de impeachment sem objeto.

Não faz o menor sentido essa argumentação. A lei 1.079/50 nada fala a respeito de punição por crimes cometidos no primeiro mandato, não prevê, mas também não veda. A Constituição Federal de 1988 e a lei 1.079/50 não foram elaboradas para uma sistemática que previa a reeleição do presidente da república, o que foi alterado com a Emenda Constitucional 16/1997. Então, pode-se entender perfeitamente que um segundo mandato é somente uma continuação do mandato que se iniciou a 4 anos atrás. Na prática é a mesma coisa. Além do mais, interpretar de forma contrária abre um precedente terrível, o precedente de ser irresponsável em seu último ano de mandato. Justo no ano eleitoral. O autor dos crimes de responsabilidade agiria então com a tranquilidade de que seria absolvido com a mudança de mandato, por pura ausência de tempo hábil para a instauração e conclusão do processo. O que, na prática, seria uma absolvição antecipada pelos crimes cometidos, uma anistia. Não há previsão constitucional para anistia em casos como esse. Isso seria uma incoerência e um absurdo lógico, donde se conclui, portanto, que não há outra forma de entendimento válida que não seja a validade das acusações por crimes cometidos no primeiro mandato.

Isso não é consenso entre o juristas, mas para mim e espero que para todas as pessoas que leram minha argumentação, fique claro que essa é a interpretação mais correta da situação. A única moralmente defensável e logicamente possível.

Conclusão

Sei que é um momento em que as ideologias assumem contornos exacerbados, porém, se conseguirmos nos despir dos óculos que distorcem nossa visão dos fatos reais, fica claro ver que a presidente cometeu crime de responsabilidade e que os argumentos da defesa não são bastante fortes para justificar os atos cometidos. Por tudo exposto acima, pela legalidade e pela coerência com minha consciência, eu votaria sim pela admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff, caso eu fosse hoje um dos deputados a votar a questão. Não existe golpe nenhum em curso, reconheço a legalidade do processo de impedimento do presidente e acho que é o certo a se fazer, diante do crime de responsabilidade por ela cometido.

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