sexta-feira, 22 de abril de 2016

Sete Dias de Tortura - 4 de 7

Dando prosseguimento a série sobre tortura na ditadura militar do Brasil. É comum defensores do regime falarem que só eram torturados aqueles que eram comunistas que queriam implantar uma ditadura comunista no Brasil.

Primeiro. Mesmo que isso fosse verdade, ainda sim o Brasil com todo o aparato do Estado e comprovadamente financiado pelos EUA tinha totais condições de controlar os "comunistas" apenas prendendo-os. Dando-lhes um julgamento. Como tem de ser a civilização.

Segundo, não era verdade que só comunistas eram presos, torturados e mortos. Todos aqueles que se opunham ao regime eram classificados como terroristas, comunistas e obviamente, como não tinham direito de ampla defesa, já que estávamos num Estado ditatorial, eram tratados da mesma forma. Sumiam da mesma forma. A polícia era a lei. Ela podia te prender injustamente e jamais assumir seu erro, jamais ser contestada. Algumas pessoas que percebiam os absurdos que estavam acontecendo, obviamente se revoltavam contra esse regime, com toda a razão, então, automaticamente já se tornavam comunistas, terroristas, comedores de criancinhas e assim, possíveis alvos de prisão, tortura e morte pelo "nosso regime militar salvador". O regime militar perseguia qualquer um que não compactuasse com o regime. Fãs de Jango, de JK, pessoas que queriam a volta do voto popular, pessoas que queriam o fim da tortura, e por aí vai, até crianças sofreram tortura. Quem fala que o regime militar tratava com crueldade apenas defensores da ditadura do proletariado está, no mínimo, enganado. Muito enganado. Além do mais, o Brasil não estava em guerra. O comunismo jamais passou perto de ter sucesso no Brasil. A ditadura no Brasil atentou contra a democracia de maneira ilegítima, desproporcional, cruel e indefensável para qualquer ser humano com um mínimo de sensibilidade.

Permitam-me transcrever o depoimento de Angela Israel.

Hoje tenho 52 anos. Meu pai e minha mãe vieram da região de Paraisópolis. Minha história é longa, mas vou resumir e, se houver interesse, terei como comprovar os fatos.

"Hoje sou uma advogada, mãe de 03 filhos, todos maiores e formados. Mas não foi sempre assim. Meu pai era o que consideravam na época, um agitador. Foi preso inúmeras vezes e não há quem não se recorde dele na cidade de Paraisópolis dos que ali viveram em sua época. Ele amava Jango e sonhava com um pedaço de chão para plantar e deixar de trabalhar com sua enxada nas terras alheias. Tinha o dom de amansar cavalos bravos e não havia touros que não cediam ao seu encanto. Meu pai desapareceu na cidade de Pindamonhangaba, após inúmeras prisões, em sua maioria por gritar abaixo a Ditadura. Mas a maior e mais perseguida foi porque um dia encontrou em uma praça no centro de Paraisópolis o quepe de um militar considerado de alta patente e ele, irreverente como era, prendeu a sua mula no mastro da bandeira Nacional na praça e colocou preso na cabeça da mula o quepe do tal militar. A mula amanheceu pastando e, com isso, nunca mais houve perdão ao meu pai. Histórias de meu pai, que tive a oportunidade de conhecer apenas com 50 anos de idade, porque, com as perseguições, e seu jeito considerado nocivo, um dia em Pindamonhangaba quando eu não tinha mais que 6 anos meu pai foi preso e desapareceu. Eu perdi minha mãe aos sete anos e vivi de esmolas, perambulando pelas ruas de Pindamonhangaba até os 8 anos e meio, quando as irmãs de São Vicente de Paulo, uma casa de crianças da cidade, me acolheram, por sorte do destino. Cresci neste orfanato até os 21 anos e minha história até hoje é longa demais para descrever a vocês. Meu sonho, continua vivo. Ainda tenho esperanças de saber o destino do meu pai. Já percorri registro de delegacias da época e nada. Sei que foi preso em Pindamonhangaba, mas o presidio que ficava próximo ao mercado municipal da cidade foi demolido. Estive no orfanato muito tempo. Enquanto estava lá, tudo se modificou na cidade. Meu pai me ensinou muito. Me dizia que nossos sonhos são nossas asas e que nada pode cortá-las porque elas são invisíveis aos olhos do malfeitor. Dele tenho muito orgulho. Quem sabe, se alguém tiver noticias, podem me dar uma. Seu nome era Joaquim Francisco dos Santos. Também eu ouvia chamarem ele de Joaquim Raimundo, Joaquim Teodoro, e muitas vezes de Joaquinzão. Ele era moreno claro, forte, alto, com traços mais para a descendência árabe, e na enxada e no talento para amansar animais, ninguém o vencia. Tenho motivos de sobra para ter pesadelos até hoje com a "baratinha", a qual quase sempre rodeava nossa casa de sapé, e o camburão preto e branco que o prendia. Ele era apenas um baderneiro para os vizinhos, mas não admitia que insultassem o nome do Jango, e pagou caro a sua paixão.  Ditadura é a mancha que macula a minha infância e tendo vivido nas ruas e comido o que achava pelos lixos e pelos portões quando doavam, sei que muita coisa não mudou para o povo que não tem nenhum dos preceitos da dignidade humana. Só quem sentiu o sol, a chuva, o frio e o vento na pele, sabe um mínimo da realidade que descrevo."

Pois bem, você defensor da ditadura e de suas torturas. Qual o crime que Joaquim cometeu? Você realmente acha que ele era perigoso? Que ele ia dar um golpe de Estado no Brasil? Joaquim era um sonhador, talvez ingênuo, possivelmente pouco instruído, mas que não apresentava qualquer risco à segurança nacional, assim como muitos outros presos não apresentavam. A ditadura sumiu com ele e até hoje sua filha só tem lembranças de seu pai de quando tinha apenas 6 anos de idade. Porque seu pai, irreverente, talvez um pouco irresponsável, resolveu protestar de uma maneira muito arriscada, na verdade, acho que ele nem quis protestar, só não quis perder a piada. Isso custou-lhe a vida. Não sei em que regime o tratamento que foi dado a esse "crime" é aceitável. Não sei se ele chegou a ser torturado. Não há registros, já que nosso "excelente regime militar" fazia tudo às escondidas e só foi permitir acesso aos registros em 2011, com a Comissão Nacional da Verdade. Mesmo assim, muita informação se perdeu. Como é o caso dos registros do pai de Angela, que hoje, só sobraram em sua mente. Talvez até seja bom que ela não saiba pelo que passou seu pai. Talvez seja duro demais para ela saber.

Mas ainda bem que havia o regime militar pra nos salvar dos comedores de criancinhas. Né?

Hoje não descreverei torturas físicas, deixarei apenas a tortura psicológica de Ângela, como exemplo de que esse argumento de que a ditadura só perseguiu terroristas é uma mentira.

Como bônus de hoje fica Bolsonaro falando que ser gay é falta de porrada. Tem o vídeo. Veja aqui. Mas ele não é homofóbico, tá?

Veja aqui abaixo esse crime com selo de patrocínio de Jair Bolsonaro:

Menino tem o fígado dilacerado pelo pai, que não admitia que menino gostasse de lavar louça

Até amanhã com mais torturas desse nosso maravilhoso regime militar e mais sobre esse grande ser humano que é o presidenciável Jair Bolsonaro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário